Sobre a baixa produção de leite


A baixa produção de leite é um assunto que preocupa todas as mães, e uma das principais causas para desmame precoce – sobretudo se falarmos de baixa produção de leite percepcionada (1).

A OMS recomenda que os nossos bebés mamem em exclusivo até aos seis meses de idade, e PELO MENOS até aos dois anos de idade. Tudo o que for um desmame anterior a essas datas, é referido como “desmame precoce”.

No entanto, e como podemos ler na página do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, não obstante em Portugal mais de 80% das mães começarem o processo de amamentação, “somente 21% das mães amamentaram exclusivamente 6 ou mais meses, sendo que apenas 4 países apresentaram uma taxa de amamentação exclusiva de 25% ou mais (durante 6 ou mais meses), designadamente a Geórgia (35%), Cazaquistão (51%), Turquemenistão (57%) e Tajiquistão (73%).” (2) Será que todas estas mães sofrem mesmo de baixa produção de leite?

O que se pode passar, então, para que isto esteja a acontecer?

Sem dúvida que a questão das licença parentais pagas a 100% não chegarem aos seis meses joga aqui um papel fundamental, mas isso será matéria para um novo artigo.

Hoje, pretendemos debater aqui um bocadinho o conceito de “baixa produção de leite”.

Como o próprio nome indica, uma baixa produção de leite acontece quando o corpo da mãe não consegue produzir leite em quantidade suficiente para as necessidades nutricionais do seu bebé.

Mas importa distinguir e abordar aqui alguns conceitos de forma mais explícita, para que não haja confusões e as mulheres possam de facto saber exactamente as informações com que estão a lidar.

Podemos então falar de três tipos de baixa produção de leite, agrupadas em dois grandes grupos:

1 – Baixa Produção de Leite Percepcionada

2 – Baixa Produção de Leite Real

–> Baixa produção por causas primárias (por causas fisiológicas, biológicas, hormonais, de saúde da mulher, ou por consequências decorrentes do parto)

–> Baixa produção por causas secundárias (isto é, causas não atribuíveis à mulher mas sim ao manejo da amamentação)

Já num artigo publicado em 2008 (3), Lisa Gatti nos refere que esta baixa de leite percepcionada pelas mulheres – que, não sendo real, não deve nunca ser descartada pelas conselheiras de amamentação – é uma das principais razões para o desmame nas primeiras semanas do pós parto por cerca de 35% de todas as mulheres. Gatti aponta ainda que a relação entre esta percepção de baixa produção com variáveis socioeconómicas ou demográficas não está devidamente documentada na literatura (porém, ausência de evidência não significa evidência de ausência, o que vai, sem qualquer sombra de dúvida, ao meu raciocínio sobre a responsabilidade social da amamentação e de como se está a tornar, cada vez mais, um negócio de elites).

O que leva então estas mulheres a percepcionarem uma baixa produção de leite quando tal não é o caso?

Arrisco-me a dizer que se trata muitas vezes de uma falta de informação fornecida pelos profissionais de saúde ao longo do pré natal. Um bebé beber um biberão inteiro após mamar não significa baixa produção de leite, um bebé chorar mais ao fim do dia não significa baixa produção de leite, um bebé mamar em cluster não significa baixa produção de leite, nem um bebé acordar muitas vezes durante a noite significa uma baixa produção de leite. No entanto, estes comportamentos que NÃO significam fome não são, muitas vezes, transmitidos às mulheres, abrindo-se assim portas para uma suplementação desnecessária – e muitas vezes com recurso ao biberão. Sendo que este é um apetrecho tantas vezes inserido, por que não apostar mais em formação sobre a maneira mais respeitosa de o oferecer ao bebé, ou qual o bico menos prejudicial? (Tendo em conta, sempre, que na verdade não há nenhum biberão protector da amamentação. Podemos é escolher entre o menos mau.)

Também o estudo de 2021 (1) nos conclui quatro pontos fundamentais:

1 – Baixa produção de leite percepcionada é uma das maiores razões para interrupção da amamentação

2 – dentro de quem amamenta, a grande percentagem de mulheres que referem BPL percepcionada fazem-no nos em grande parte dentro dos primeiros seis meses de vida do bebé

3 – alguns factores levam a esta BPL percepcionada são: suplementação com fórmula, atraso no início da amamentação, eficácia da mamada e plano de amamentação.

4 – para limitar esta situação, deve haver educação para a amamentação exclusiva e uma recomendação para evitar a fórmula nos primeiros seis meses de vida do bebé.

A baixa produção de leite percepcionada, se não corrigida e ajudada no início, pode levar a uma baixa produção de leite real por factores secundários, isto é, por um mau manejo da amamrentação.

Por que razão isto acontece?

Porque, ao contrário do que se diz (ou não) às mulheres, os primeiros três meses são fundamentais para o estabelecimento da fábrica de produção de leite. Tem a ver não apenas com factores hormonais, como também com a construção de toda uma rede de receptores de prolactina.

Se saltamos mamadas, se introduzimos bicos artificiais, ou “só um biberão”, vamos estar a interferir directamente com a construção destes receptores de prolactina – a hormona rainha da produção de leite. Havendo prolactina, mas não receptores que a possam receber e acolher, ela vai ser desaproveitada. O resultado? Menos leite a ser produzido porque não há receptores que acolham essa hormona que é formada na hipófise. Por isso, sempre que saltamos mamadas, sempre que introduzimos um biberão de leite sem indicação de um especialista, sempre que achamos que o bebé tem fome e vamos dar suplementação sem indicação, sempre que introduzimos uma chucha porque achamos que o bebé não aguentou tempo suficiente, estamos a correr o risco de saltar mamadas e com isso, nos primeiros três meses, comprometer a produção de receptores de prolactina.

BAIXA PRODUÇÃO DE LEITE REAL

Quando passamos para a parte da baixa produção de leite real, é sempre importante distinguir entre a baixa produção de leite real por causas primárias (BPLCP) ou a baixa produção de leite por causas secundárias (BPLCS).


Começando pela baixa produção secundária – uma vez que esta é a mais fácil (salvo seja…) de resolver, algumas causas estão na origem desta:

  • –>um freio restritivo que não permite à língua fazer o seu trabalho convenientemente

  • –> um mamilo verdadeiramente invertido que dificulte a correcta drenagem da mama

  • –> tensões posturais que levem a que o bebé prefira uma mama à outra e que impeçam uma abertura grande da boca (isto torna-se particularmente importante uma vez que o bebé não vai mamar na ponta do mamilo mas sim em todo o complexo areolo-mamilar

  • –> Conselhos de dar de mamar apenas de 3 em 3h, impedindo uma livre demanda. Quando o bebé vai à mama em livre demanda, está constantemente a dar sinais ao cérebro, que comanda tudo o resto, de quanto leite efectivamente é necessário produzir para alimentar aquele bebé.

  • –> Introdução de bicos artificiais como chucha – estamos a saltar mamadas, consolando o bebé de uma forma artificial, portanto não mandando os supracitados sinais ao cérebro.

  • –> Introdução de biberão, sobretudo com tetinas pouco adequadas. Isto porquê? Porque os músculos que a cara e mandíbula trabalham com um biberão são radicalmente diferentes dos músculos que a cara e a mandíbula e a língua trabalham na mama. Isto vai originar não apenas uma confusão de bicos, facilitando a implementação de um padrão mordedor, como uma confusão de fluxos, pois o leite sai sem parar do biberão, o que não acontece quando o bebé vai à mama. Assim, o bebé obtém alimento mais facilmente e mais rapidamente no biberão, originando que não queira ir tanto à mama porque lhe dá mais trabalho e, por conseguinte, enviamos mensagens ao cérebro que não é necessário produzir tanto leite porque ele não está efectivamente a ser removido.

Já no que diz respeito à baixa produção primária, esta tem causas mais profundas e que não são tão facilmente resolvidas, podendo ser necessário muitas vezes uma ajuda externa para o manejo da amamentação e sobretudo para a ressignificação da definição de sucesso na amamentação.

Cada mulher precisará de perceber o que se está a passar no corpo dela para poder então chegar a uma nova meta de amamentação. Poderá não ser possível amamentar em exclusivo – tal como poderá ser possível.

A amamentação é uma dança a dois, e tem que ir sendo navegada à medida que as coisas vão acontecendo.

Esta baixa produçao de leite por causas primárias pode ir dando alguns sinais de alerta tanto durante a gravidez como mesmo ANTES da concepção. Pode também ser originada por algum evento do próprio parto.

Vejamos então alguns dos sinais de alerta que poderão indicar que cada mulher possa vir a ter problemas de produção de leite:

  • –> Problemas hormonais
  • –> Resistência à insulina
  • –> Diabetes gestacionais
  • –> Problemas com a anatomia da mama (mamas tubulares podem indicar hipoplasia mamária, por exemplo)
  • –> Cirurgias mamárias de aumento ou redução, dependendo de como foram feitas, pois podem destruir o sistema de ductos e de irrigação da mama
  • –> Impactos na zona do tórax antes da completa formação da mama
  • –> Excesso de peso na adolescência ou na gravidez (na gravidez, dificulta haver espaço para a criação de células mioepiteliais, fundamentais no processo de lactação)
  • –> Problemas de tiróide
  • –> Exposição a determinados agentes químicos que interfiram com as hormonas
  • –> Hemorragia pós parto muito grandes que possam gerar a necrose da hipófise (responsável pela produção da prolactina)

Como podemos ver, há variadíssimas situações que podem causar uma baixa produção de leite REAL – não podemos continuar a bater na tecla de que esta condição apenas afecta 5 a 10% das mulheres.

Se é verdade que a Natureza nos dotou da capacidade de termos em nós tudo o que precisamos para alimentar as nossas crias, não nos podemos esquecer de algo muito importante.

Vivemos hoje numa sociedade muito pouco natural, cheia de agentes químicos, com um nível de poluição bastante grande e que vive num stress crónico.

O stress vai impactar directamente nas hormonas opostas às que facilitam a amamentação.

Os agentes químicos interferem com as nossas hormonas.

É esperado da mulher que regresse quanto antes ao trabalho.

Tudo isto são condições que não existiam anteriormente – ou existiam em menor quantidade – e não podemos continuar a dizer que basta levar o bebé à mama.

Não basta.

Procura ajuda atempada e prepara a tua amamentação ainda na gravidez!

REFERÊNCIAS

1 – The rates and factors of perceived insufficient milk supply: A systematic review. https://doi.org/10.1111/mcn.13255

2 – https://www.insa.min-saude.pt/estudo-da-oms-europa-confirma-aleitamento-materno-como-fator-protetor-para-a-obesidade-infantil/

3 – GATTI, Liza. “Maternal Perceptions of Insufficient Milk Supply in Breastfeeding”, https://doi.org/10.1111/j.1547-5069.2008.00234.x

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